Gordofobia: precisamos falar sobre isso
- Carol Avileis
- 16 de jun. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 27 de ago. de 2020
Vivemos em um mundo gordofóbico. Isso quer dizer que quando os outros olham uma pessoa gorda, imediatamente se sentem incomodados e resolvem tornar uma missão de suas vidas “ajudar” essa pessoa propondo emagrecimento. Sem ela pedir. Nesse vídeo, ao vivo, a advogada Sandra Daniotti que foi fazer um quadro ao vivo sobre direito da família é surpreendida com a proposta da médica endocrinologista Maithê Pimentel, que também participa do programa, para que ela emagreça. Ao vivo. Sem falar na falta de ética médica, tato, respeito e empatia, a advogada é exposta publicamente.
Tenho batido na tecla, mas vou repetir. Engordar é um sintoma!!! Quando você quer pegar o gordo e fazer ele emagrecer com dietas, remédios e exercício físico, mandar pra um spa, pagar personal trainers e nutricionistas, o que for, você está querendo resolver o SEU problema, não o dele. VOCÊ está incomodado com a obesidade dele, e, se ele emagrecer, vai ficar feliz né? NÃO! Ele só não vai te incomodar mais! Mas o que fez com que ele engordasse vai continuar lá. Por isso o melhor tratamento, o único que realmente irá tirar o gordo do seu sofrimento, é terapia. Ele irá entrar em contato com suas questões, pra que ele encontre os recursos para lidar com o que lhe causa sofrimento, e tirar esse foco do corpo e da comida. Ao fazer análise ou terapia, ele pode ou não decidir que irá fazer bem a ele exercícios físicos ou dieta, mas emagrecer ou não, além de ser uma decisão pessoal, será secundário ao tratamento.
Incentivada grandemente por esse absurdo, resolvi escrever esse post.

Todos os dias somos confrontados com preconceitos de diversas formas. Nosso papel é olhar pra dentro de nós mesmos e entender como isso nos afeta. Será que tenho preconceito contra o outro e até contra mim mesmo? Tenho atendido pessoas que tem nojo de si mesmas, porque são gordas, ou porque se sentem gordas (mesmo não sendo!). A maior parte das pessoas que tem transtornos alimentares sofre de gordofobia. Tenho acompanhado o estrago que a gordofobia faz na autoestima das pessoas que gostariam de emagrecer, e as cicatrizes que as acompanharão durante toda a sua vida.
O que é gordofobia?

“Gordofobia é um neologismo para o comportamento de pessoas que julgam alguém inferior, desprezível ou repugnante por ser gordo. Funciona como qualquer outro preconceito baseado em uma característica única”, explica o Dr. Adriano Segal, psiquiatra do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. “Apesar de o nome ser novo, é algo que sempre existiu, a gula é até um pecado capital. Há estudos com universitários em que afirmam preferir se casar com traficantes ou bandidos do que com obesos”, diz o médico.
Comportamento gordofóbico
Não só como padrão estético, mas como conformidade social, não encontramos frequentemente adaptações aos obesos em assentos no transporte público, em aviões, e até em bares e restaurantes. Muitas vezes, a pessoa gorda não consegue se acomodar em uma poltrona. Outras dificuldades com relação ao tamanho, são a dificuldade de encontrar roupas adequadas e até conseguir um emprego, por conta da discriminação.

Muitas pessoas gordas relataram pra mim não usar as roupas que lhe caem bem, mas sim as que cabem nelas, prejudicando ainda mais sua alto estima.
Outros relatos de gordofobia que chegam ao meu consultório tem a ver com inúmeras formas de constrangimento que as pessoas gordas passam.
Exemplos vão desde o parceiro não querer levar a parceira gorda a encontros sociais e ter vergonha de andar acompanhado por ela na rua, até colegas de trabalho observarem tudo o que a pessoa come, e tecerem comentários sobre sua alimentação.

Muitos desses comportamentos começam com crianças ainda bem pequenas na escola. Os "gordinhos" como são apelidados, são ridicularizados e tidos como alvo de piadas. Esses comportamentos gordofóbicos causam uma baixa autoestima, o que geralmente também aumenta a ansiedade voltada ao consumo dos alimentos. Além disso, a criança gorda tem vergonha de participar em esportes e aulas de educação física, sem contar aquele famoso time que se forma por escolhas de dois capitães, onde essa criança com sobrepeso sempre fica por último. Tudo isso reforça a ansiedade e baixa autoestima da criança, que irá provavelmente ser um adulto com esse comportamento reforçado.

Prevenção contra a discriminação e o preconceito contra pessoas gordas
Na ausência de uma lei que regule esse tipo de preconceito e com a constante presença de stand-ups, programas de TV e filmes em que pessoas acima do peso viram alvo de chacota, a gordofobia está tão entranhada na sociedade que às vezes somos gordofóbicos sem perceber.

Abaixo seguem algumas dicas do que como evitar comportamentos gordofóbicos que você pode estar tendo mesmo de forma inconsciente:
Não use a característica física para identificar uma pessoa, falando coisas como: “fulano é aquele gordinho ali”;
Ser gordo não tem nada a ver com ser preguiçoso. Não associe as duas características;
Não presuma que uma pessoa gorda é alguém que tenta emagrecer e está fracassando;

Não fale nada como “você emagreceu e ficou bonito”. A beleza não está só na magreza e muita gente perde peso de forma pouco saudável, por causa de distúrbios alimentares ou até mesmo depressão;Não use termos como “fofinho”, “gordinho” ou “maiorzinho”.
Não faça piadas com alguém gordo que parece fazer graça com seu peso. Isso é um mecanismo de defesa.
É possível termos gordofobia e o alvo ser a nós mesmos. Pensamentos de que você não é atraente devido ao seu peso, precisar emagrecer para ser mais bonita, ou mesmo ter nojo de se mesma podem ter complicações psicológicas graves sobre você mesma e sobre as outras pessoas com quem você se relacione. Se esse tipo de pensamento cruzar sua mente de forma frequente, procure psicoterapia para ficar em paz com seu corpo.

Preconceito entre os profissionais de saúde
Desde que a OMS decidiu classificar a obesidade como doença, virou um consenso entre os médicos receitar que os seus pacientes percam peso como medida de prevenção de saúde. Os pediatras já começam a impor sobre as crianças restrições alimentares e indicar uma quantidade de peso que precisa ser perdido para que elas não "disparem" para a obesidade, mesmo que o peso da criança não esteja tão fora da normalidade.
Além disso, médicos ginecologistas, que geralmente atuam como clínicos gerais na saúde da mulher, recomendam da mesma forma a perda de peso e indicam dietas restritivas, mesmo que a saúde geral do paciente esteja boa, conforme verificado nos seus exames. Isso em si mesmo já representa um comportamento gordofóbico.
Sem falar dos momentos em que a pessoa procura o nutricionista para uma recomendação, tem que passar pela pressão e constrangimento da foto do antes e depois, e ainda ouvir do profissional que sem força de vontade e esforço não irá conseguir atingir seus resultados, depois de passar uma dieta restritiva ao paciente. Como se o gordo não tivesse força de vontade e foco para ter tentado se controlar e emagrecer antes.
Quando o gordo chega na academia, enfrenta mais estigma. O profissional de educação física muitas vezes o trata com desrespeito e desdém (eu mesma sou testemunha e presenciei esse comportamento algumas vezes), assumindo que o gordo é preguiçoso, não tem força de vontade e só pensa em comida.
Chegando finalmente no psicoterapeuta, o problema se agrava. Aquele que deveria acolher e demonstrar simpatia mostra um completo desconhecimento das possíveis causalidades que podem gerar a obesidade e trabalha dentro do mesmo estigma dos profissionais citados. Piores são os profissionais que, querendo embarcar na onda da boa forma, inventam programas de emagrecimento com protocolos pré-definidos no modelo one-fits-all, ou seja, um mesmo protocolo para todos os casos de obesidade. É sabido que a obesidade tem causas multifatoriais e bastante diversas de pessoa pra pessoa. Dessa forma, fuja de programas de emagrecimento que não forem feitos especialmente para você.

O periódico científico Nature Medicine publicou agora em Março/2020 um consenso internacional pelo fim do estigma ligado ao excesso de peso. Ele foi assinado por mais de 100 instituições, incluindo uma do nosso país — a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Após uma extensa revisão de estudos, os 36 autores diretamente envolvidos com o artigo constataram que o preconceito compromete a saúde de pessoas acima do peso e dificulta o acesso a medicamentos e tratamentos. A gordofobia inclusive contribui para os altos índices de obesidade no planeta. Esse post aqui é dedicado exclusivamente a discussão das conclusões desse documento.

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